quinta-feira, janeiro 11, 2007

Uma mensagem antiga, em resposta a pedido de orientação

Olá, leitores,

Faz tempo que não coloco nada aqui - aliás, faz tempo que não faço nada além de trabalhar, trabalhar, trabalhar!!! É ótimo, eu sei, não me queixo - mas os prazos podiam ser um pouquinho mais tranquilos... (mas se fossem eu ia deixar para a última hora, então é melhor não mudar nada!).

Estou aqui, me aquecendo para mais um dia de trabalho, e resolvi apagar algumas mensagens do meu Outlook Express. Quase não o uso mais, pois tenho usado o gmail.com - e estou muito satisfeita. Então, aos poucos, vou limpando o OE.

Achei uma mensagem antiga, de novembro de 2005, enviada em resposta a uma mensagem de uma moça, formada na faculdade de Tradução havia 4 anos e que estava com dificuldade para entrar no mercado.

Acho que ela se ofendeu com os meus comentários, pois enviou uma mensagem educada, mas tipo "desculpe ter incomodado". Expliquei novamente o meu jeito, mas enfim, não recebi resposta.

Antes de jogar a mensagem fora, achei uma boa colocá-la aqui, apenas editando algumas passagens mais específicas. Espero que sirva para alguém. Meu jeito de escrever é muito direto e algumas pessoas se ofendem - mas considerem que foi uma resposta escrita às pressas, então não dá para ficar enfeitando muito.

No primeiro email, ela se apresenta e reclama da falta de clientela e que os "bicos" que fazia eram arrumados através de indicações de amigos.

O principal, que acabei não cobrindo na minha resposta a ela, é a postura. Se você considera aquilo que você deseja que seja sua carreira como um "bico", a coisa vai mal. Tem que dizer "sou tradutora", mesmo que não traduza nada há alguns meses. E dizer com orgulho, de boca cheia. E tem que batalhar trabalho, e não ficar aguardando indicações. Quando somos autônomos, ou empresários, profissionais independentes, o que seja - não podemos ser tímidos.

"Olá, XXXXX

Normalmente eu não atendo pedidos de orientação, ajuda, conhecer o mercado etc, por email ou por telefone. Mas, por ser um pedido de um colega de trabalho do meu irmão, abri uma exceção no seu caso.

Não é convencimento, nem nada do gênero, mas como participo muito de diversos fóruns pela internet, muita gente entra em contato e pede "uma força", "uma orientação", "trabalhos excedentes", "indicações" etc. Sou extremamente ocupada, mal tenho tempo de fazer o que preciso (se visse meu escritório, você ia entender!), tenho um filho de 2 anos, marido, casa, etc. E, se vou parar para escrever uma mensagem para cada um, tomo tempo do meu trabalho, do meu convívio familiar, do meu sono... Então, normalmente, escrevo uma mensagem bem curta (porém, quero crer, nada grossa...), explicando que não tenho como ajudar. A internet tem muita coisa, já, e o bom tradutor é aquele que gosta de pesquisar... Quem tem preguiça, já é carta fora do baralho.

"Caveat": sou muito direta, por favor não se ofenda, mas é o meu jeito.

Antes de mais nada, gostaria de receber uma amostra de um trabalho seu. Por favor, retire nome de cliente, qualquer coisa que possa identificá-lo. Preciso do original e da sua tradução. E, se você quiser enviar seu CV, incluindo cursos, estágio, trabalhos, software, recursos de informática etc, também é bom. Informe também seus preços e a forma de cobrança.

Por quê peço a amostra de trabalho?

Porque antes de mais nada é preciso ver se o produto apresentado é bom. Se o problema estiver no seu trabalho em si, na qualidade da sua tradução, aí é estudar e tentar melhorar - não é um problema de mercado, nem de falta de clientes.

Em segundo lugar, gostaria de deixar claro que:
- dificilmente repasso trabalhos. Não vou dizer "Nunca" porque nunca se sabe o dia de amanhã, mas no momento, o meu perfil é o de tradutora e não de agente de serviços de tradução. Explico: demoro muito para revisar, e sou muito rápida na tradução - portanto, é mais rentável, para mim, fazer a tradução diretamente ao invés de repassar para alguém, revisar e entregar para o cliente.

- quando ocorre de não conseguir dar conta das traduções, o que é raríssimo, não repasso o trabalho, mas posso indicar algum profissional diretamente para o cliente. Ou seja, o cliente entra em contato direto e eu não tenho a menor responsabilidade por nada (nem do lado do cliente, nem do tradutor). Pode ser que o cliente fique cativo do tradutor indicado, pode ser que volte para mim. Nunca se sabe. Portanto, só faço isso quando não tenho interesse naquele cliente, ou é um cliente que traduz poucas coisas - claro. Mas, claro de novo, não indico qualquer pessoa, porque se der 'caquinha' o cliente pensa "pô, mas foi a Adriana que indicou, então a Adriana também não presta". Tenho já alguns colegas, claro, que sei que são bons, que já indiquei. Se eu achar o mesmo de você, também posso colocá-la na lista de profissionais que podem ser indicados - mas, repito, isso é raro.

(...)

Sinceramente, minha postura pessoal e profissional (até por criação familiar) sempre foi de me virar sozinha. Rapidinho, a meu respeito: sou formada em Publicidade (Metodista, São Bernardo) e Direito (UniSantos), jamais exerci nenhuma das duas. Fui trabalhar em banco internacional (estágio de 2 anos), onde fiquei 7 anos. Um ano antes de sair, casei com um inglês. Estava insatisfeita com minha carreira, comecei a pensar em outras opções: tradução. Sempre estudei inglês, levava jeito para a coisa. Comecei a participar de listas de tradutores na internet. Fiz um curso rápido (2 semanas) de tradução para legendagem e dublagem. Saí batendo em porta de estúdios, pedindo um teste. Fiz, passei, estou com um deles até hoje. Na mesma época, participei de um evento na USP (semana de tradução, em 98), para conhecer o mercado. Quietinha, só vendo "como era", sem perguntar para ninguém.

Ou seja, não pedi ajuda a ninguém, diretamente. Muita gente me ajudou, mas através dos exemplos, das opiniões, que fui coletando aqui e ali, e que ajudaram a formar a minha "persona" tradutória, que se somou ao que eu sou mesmo. Como lidar com um cliente, como entregar um trabalho, essas coisas acessórias, tão ou mais importantes que a tradução em si.

Não posso fazer um manualzinho. Ou até poderia fazer, mas só quando estiver perto da aposentadoria, e para vender - junto com os cursos e as palestras, claro. :-) Mas seria um manual do que funciona para mim. Para os meus clientes. Há outros jeitos, outras formas, tão bem-sucedidas quanto. Mas, sendo muito sincera, não vou fazer isso agora, em que também batalho, todos os dias, para aumentar minha carteira de clientes. Não posso entregar isso de mão beijada... Seria ingenuidade da minha parte... A concorrência pode ser amigável, mas ainda assim é concorrência!

Por enquanto, atuo como tradutora, eu diria que com sucesso, mas esse sucesso não cai do céu. Claro, tenho muitos contatos (ex-colegas de banco, gente que se vai conhecendo pela vida, até o meu irmão que me passa trabalhos da empresa onde ele está, agora), que me facilitaram a obtenção de clientes, mas se eu fizesse 'caquinha', eles me diriam "olha, Adriana, eu gosto de você como amiga, mas não posso mais passar trabalho, não". Negócios, negócios, amigos à parte, não é?

E é isso que eu acho que falta na maior parte dos formados em tradução. Falta vivência. Faltam contatos. Falta experiência de vida. E a faculdade, vamos e venhamos, não ajuda em nada. Vocês ficam lá, traduzindo os grandes autores, e os professores de vocês geralmente não são profissionais da área, são acadêmicos, não conhecem as tecnologias com que temos que lidar, não sabem o que fazer com a parte burocrática da nossa profissão (abrir empresa, continuar como autônomo?), geralmente não sabem o que é ter que traduzir 10 mil palavras em dois dias, e soltam no mercado profissionais também despreparados nessas questões - achando que se tem tempo de revisar dez vezes a tradução, de "deixar dormir" antes da última revisão e da entrega... Coisas lindas, mas que são difíceis de manter na prática.

A nossa carreira é, na maior parte, prestação de serviços, e disso ninguém fala na faculdade - espera-se que o aluno encontre "um emprego" numa agência de tradução, ou empresa, ou que vire "tradutor literário", o que meio que deixa o tradutor como um "fixo" nas editoras...

Desculpe o balde de água fria, coloquei aqui um monte de coisas que nem sei se têm a ver com você, mas espero ter fornecido dados para que você possa pensar a respeito.

Se você quiser que eu avalie sua experiência etc, envie os dados que pedi. Não digo que farei isso rapidamente, mas tentarei fazer assim que for possível.

No mais, recomendo que você encontre o seu nicho, pesquise sobre as coisas que te interessam na internet, entre em contato com agências de tradução (pagam pouco, mas muitas vezes são uma boa escola, um bom começo - meu caso foi diferente, mas sei que sou a exceção da regra, até pela experiência que já tinha na área financeira).

Atenciosamente
Adriana"

Muitas vezes, quem está de fora acha que a gente tem uma fórmula mágica para conseguir clientes. Não tem. Quer dizer, até tem, mas é aquela velha conhecida de todos - batalhar, batalhar, batalhar, apresentar um trabalho excelente, e batalhar mais um pouco, montar uma estrutura profissional, aprender a lidar com clientes, ter postura profissional, e batalhar. Eu não conheço outro jeito.